quarta-feira, 21 de janeiro de 2015


Jovens que se cortam


cortes rock


É cada vez mais frequente a procura por ajuda profissional, geralmente solicitada pelos familiares, para o atendimento de casos em que jovens têm deliberadamente provocado cortes em seus pulsos, braços e até nos rostos. Geralmente são meninas, adolescentes, trazidas pelos pais, que ficam aterrorizados com a cena e não sabem o que fazer.
Além dos cortes, a presença de sintomas como anorexia e bulimia são comuns, além de algumas características subjetivas, como o isolamento, a necessidade de chamar a atenção e a sensação de ser incompreendida. É comum não haver ânimo para ir à escola, não ter apetite e não ter vontade de sair de casa. Questões muito presentes e pertinentes na adolescência, mas que nestes casos aparecem de forma exacerbada e é muitas vezes percebida como uma depressão.
Os cortes geralmente são “a gota d’água”, o estopim que sinaliza à família que é preciso ajuda. É importante não perdermos de vista que alguma mensagem está contida nestas ações; podemos considera-las como a expressão de conflitos inconscientes. É interessante notar como, em muitos casos, as ações parecem ser dirigidas às mães, como uma tentativa de atacá-las, assustá-las e, assim, envolvê-las.
A insensibilidade corporal é algo notável nestes casos, e está ligada a um bloqueio, em termos psicanalíticos, da circulação da libido. Isto fica claro quando, durante os atendimentos, o discurso da paciente se volta a um passado impossível e circular, marcado pelo sentimento de autorrecriminação e culpa (esta situação é bem ilustrada pelo relato de uma paciente, que se sente culpada pela separação dos pais, quando tinha 3 anos de idade).
Uma abordagem psicanalítica da questão pode nos conduzir a uma possível compreensão do que está em jogo nestes casos. Geralmente as críticas a si mesma, ao seu ego, disfarçam um ataque a uma pessoa amada que foi perdida. O que bloqueia a libido é que a energia contida na relação com esta pessoa, ao invés de ser gradualmente investida em outra (o que seria considerado um luto), esta energia é direcionada ao próprio ego, sem ter nenhuma função, realizando apenas uma identificação com a perda. Neste momento, ocorre uma divisão (clivagem) no ego, e ele passa a ser criticado pelo superego como se representasse a pessoa perdida. Desta forma, os cortes podem ser compreendidos como uma ação que é capaz de fazer um duplo ataque: ao próprio ego, que está identificado com a perda da pessoa, e à própria pessoa perdida, como mensagem indireta.
Em outras palavras, quando perdemos alguém de muita importância em nossas vidas, seja por morte, separação ou outra razão, tendemos a incorporar alguns aspectos, trejeitos e características da pessoa perdida. É comum, por exemplo, uma pessoa que tenha perdido um familiar querido, vestir roupas do falecido. Na situação de luto, ou seja, não patológica, fazemos isso de forma transitória, e pouco a pouco voltamos à vida, criamos novos laços, novos vínculos emocionais. Em alguns casos, essa situação se cronifica, é como se não nos separássemos da pessoa que perdemos, internalizamos ela e “brigamos” internamente com ela por “ter nos abandonado”. Ou seja, o que parece uma auto agressão, é muitas vezes a agressão a esse outro que já se foi e não aceitamos perder.
Mais do que entrar em pormenores teóricos, tentamos aqui explicitar um dos sentidos que o ato de se cortar pode possuir. Neste caso, o jovem que se corta estaria passando por um estado de melancolia de forma que não consegue ligar-se em nada, pois toda sua energia está investida em si mesmo. Com este hiperinvestimento de libido sem ligação no ego, cria-se um estado de angústia permanente, trazendo a sensação de vazio e de não possuir valor algum.
Outro aspecto importante tem haver com os limites: limites do si-próprio, limites do corpo. Quando alguns jovens cortam suas próprias peles, ainda que o ato envolva dor, permite a eles sentirem seus contornos, seus limites, sua unidade corporal. Quem olha de fora, os vê como uma pessoa inteira, mas a experiência desses jovens com relação à si próprio é muitas vezes de fragmentação ou indiferenciação. Os cortes  permitem a eles “sentir na pele”  que estão vivos. Uma fala comum destes adolescentes é: “Eu me corto, pois é a única forma de sentir algo”. 
Vale ressaltar que esta interpretação não é uma regra e cada caso pode apresentar variações e sutilezas infindáveis. No entanto, como esquema genérico de compreensão, pode nos dar algumas pistas na tentativa de compreender este aparente enigmático ato de se cortar.
Sabemos que é muito ruim sofrer e não saber o  motivo.  Sempre que conseguimos uma explicação para nosso sofrimento a tendência é que tenhamos um alívio, começamos a entender do que se trata e a visualizar saídas. O que acontece com esses jovens, muitas vezes, é que o sofrimento está descolado de qualquer significado ou narrativa que dê um contorno à dor; e os cortes na pele, embora tragam dor, ajudam a “lembrá-los” quais são os contornos de seu corpo. O trabalho psicoterapêutico ajuda, num primeiro momento, a construir contornos psíquicos, explicações subjetivas para um sofrimento que não está podendo ser colocado em palavras. Portanto, pensamos que no momento em que este jovem passe a falar e elaborar algo sobre seu sofrimento, provavelmente haverá uma diminuição gradual da necessidade de se cortar.    
Nestes casos a indicação de medicações pode ser bastante útil ao ajudar a aliviar sentimentos de angústia, tristeza e ansiedade; no entanto, os remédios não atingem a raiz principal da questão, tornando  necessário um profundo trabalho analítico, que irá percorrer os motivos inconscientes e as identificações realizadas, buscando a liberação da libido e a retomada da potência vital.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Pesquisa revela a importância do apego no desenvolvimento emocional


Traduzido e adaptado por Thiago Queiroz, da versão inglesa de Robbyn Peters Bennett

Um novo e fascinante estudo demonstra que nós podemos prever o quanto uma pessoa vai ter que trabalhar para se sentir bem, com base na qualidade do apego durante os primeiros 18 meses de vida. Este estudo mediu os efeitos a longo prazo do apego na regulação emocional a longo prazo na vida adulta, incluindo a capacidade de uma pessoa ter uma resposta neuroquímica positiva para experiências positivas.

"O apego ambivalente inibe a capacidade do cérebro experimentar prazer em sua plenitude."

Este estudo avalia a qualidade do apego entre crianças de 18 meses de idade e suas mães usando uma medida padrão de ouro, o Procedimento "Strange Situation" de Ainsworth. Eles pesquisaram essas crianças, testando-as para problemas de saúde mental, revisitando-as em 5, 8, 13, 16 e 22 anos. Eles também analisaram sua capacidade neurológica para "autorregular" ou para ter uma resposta neurológica positiva para imagens positivas, e sua capacidade de ter uma resposta neurologicamente calmante para imagens negativas.
A atividade cerebral responsável pela sensação de emoções positivas foi diferente dentre aqueles que possuíam apego seguro às suas mães na infância e aqueles que não possuíam um apego seguro. O segundo grupo ativou regiões cerebrais adicionais para tentar aumentar as suas emoções positivas, mas para um efeito menor. O que isso significa?

"Os cérebros de crianças com apego ambivalente na infância tiveram que trabalhar mais para experimentar prazer, e este esforço extra não necessariamente ajudou."

Por que? O emparelhamento neurológico precoce do perigo e do amor cria um apego ambivalente que inibe o desenvolvimento saudável do cérebro. O cérebro tenta responder a uma experiência positiva enquanto que, ao mesmo tempo, também antecipa dor ou perigo.
O estresse precoce (palmadas, gritos, negligenciação) cria uma ambivalência neurológica na criança que perdura por toda a vida. E se você não acha que isso é um problema aos 18 meses, considere que 33% dos pais começam a bater em seus filhos antes que eles atinjam o seu primeiro aniversário! É mais difícil para as crianças com um apego ambivalente sentirem o prazer e o conforto de um relacionamento, e por isso fica muito mais difícil para controlar as emoções. Um achado muito interessante é que muitas das crianças com um apego inicialmente ambivalente poderiam controlar reações negativas, para que elas pudessem regular seus sentimentos negativos, mas elas não eram capazes de experimentar uma resposta totalmente positiva para experiências positivas. Ou seja, suas ligações neurológicas foram feitas desde o início para controlar impulsos negativos, mas à custa da própria felicidade.

"A pesquisa sugere que mesmo as variações relativamente normais na qualidade do relacionamento entre pais e filhos no início da vida podem ter implicações duradouras para a maneira com que o cérebro processa experiências emocionais."

E o que isto significa? Significa que a influência suavizante dos pais é uma fonte de ameaça muito mais potencial (bem como o conforto) do que qualquer outra fonte do ambiente. Como pais, nós somos a reserva emocional e neurológica para os nossos filhos que promove a felicidade delas em relacionamentos no futuro. Até um pouco de hostilidade pode machucar.



quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Rivotril: por que o medicamento é o segundo mais vendido no país?

Uma droga barata, mas de tarja preta, contra a ansiedade vende mais do que os tradicionais Tylenol e Hipoglós.

Cristiane Segatto e Ivan Martins colaboraram Danilo Soares e Marcela Buscato

FONTE: Revista Época
Alguma coisa estranha deve estar acontecendo quando um remédio contra a ansiedade – tarja preta, vendido apenas com retenção de receita – se torna o segundo medicamento mais consumido no Brasil. Esse remédio é o velho Rivotril, que tem 35 anos de mercado, mas nos últimos cinco escalou rapidamente o ranking dos mais vendidos até chegar ao segundo lugar. Em 2008, os brasileiros compraram nas farmácias 14 milhões de caixinhas do ansiolítico (o campeão de vendas é o anticoncepcional Microvlar, com 20 milhões de unidades). O Rivotril bate remédios de uso corriqueiro, segundo o IMS Health, instituto que audita a indústria farmacêutica. Vende mais que a pomada contra assaduras Hipoglós, o analgésico Tylenol e outros produtos que os consumidores colocam na cestinha sem saber se algum dia vão usar.

O sucesso espetacular do Rivotril no Brasil não ocorre com outros medicamentos da mesma categoria. A classe dos tranquilizantes é a sétima mais vendida no país – vende menos que anticoncepcionais, analgésicos, antirreumáticos e outros tipos de remédio. A clara preferência pelo Rivotril é um fenômeno brasileiro, que não se repete em outros países.

A escalada desse ansiolítico na lista dos mais vendidos sugere que a população em sofrimento psíquico pode ser maior do que se imagina. Transtornos de ansiedade e depressão são comuns nas grandes cidades, castigadas pela violência, pelo trânsito e pelo desemprego. Mas a pesquisa São Paulo Megacity, uma parceria do Hospital das Clínicas de São Paulo com a Organização Mundial da Saúde, revela que cerca de 40% dos moradores da região metropolitana sofre de algum tipo de transtorno psiquiátrico. É um porcentual que os próprios psiquiatras consideram “assustador” – e que depõe frontalmente contra a imagem de “nação feliz” que os estrangeiros e nós mesmos, brasileiros, gostamos de cultuar.

O segundo problema que leva à indicação excessiva do Rivotril é a precariedade do atendimento de saúde brasileiro, sobretudo de saúde mental. Há falta de psiquiatras no país. Consequentemente, as pessoas não recebem diagnóstico correto e não têm tratamento adequado de seus problemas. Quando o paciente chega ao consultório com enxaqueca, gastrite ou qualquer outra queixa que possa ter alguma relação com ansiedade, frequentemente ganha uma receita de Rivotril. “Os médicos fazem isso porque o remédio é barato (a caixinha mais cara custa R$ 13), antigo e seguro”, diz Luiz Alberto Hetem, vice-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria. “Mas ele pode mascarar quadros mais graves.” O ansiolítico acalma e atenua a ansiedade, mas os problemas subjacentes não são diagnosticados. “Grande parte das pessoas nem sequer sofre de ansiedade. A depressão é muito comum”, afirma a psiquiatra Mônica Magadouro.
O terceiro fator que contribui para a venda de Rivotril é o que o psicanalista Plínio Montagna chama de “glamorização do ato de medicar-se”. No passado havia preconceito contra os remédios psiquiátricos. Recentemente, houve uma guinada cultural e eles passaram a ser vistos como resposta a todos os problemas da existência. Os médicos (sobretudo os que não são psiquiatras) receitam remédios psiquiátricos com total desenvoltura. Da parte dos pacientes, também existe a expectativa de que isso aconteça. Todos têm pressa.

“Emoções normais e importantes para a mente, como tristeza ou ansiedade em situação de perigo, são eliminadas porque incomodam”, diz Montagna, que é presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Questões existenciais são tratadas como sintomas médico-psiquiátricos, com a colaboração de “uma avassaladora quantidade de dólares” gastos em publicidade pela indústria farmacêutica. “É frequente eu receber para tratamento pacientes com dosagens excessivas de medicação ou coquetéis de diversas substâncias, sem que os aspectos psicológicos tenham sido levados em consideração”, afirma o psicanalista, que também é formado em psiquiatria.

Por trás da precariedade do sistema de saúde e do modismo da medicação, existe a crescente incapacidade das pessoas – e dos médicos – em conviver com um dos sentimentos mais enraizados da psique humana, a ansiedade. Ela está lá desde os primórdios do homem, associada a temores e ameaças indefiníveis. Embora desagradável, é um dos motores da existência. Faz parte da nossa constituição evolutiva. “Ela é um estado de alerta, um estímulo para produzir. O contrário da ansiedade é a apatia”, diz o psicanalista Eduardo Boralli Rocha. Totalmente diferente dessa ansiedade benigna é a combinação explosiva de urgência, competição e sentimento de exclusão que caracteriza o nosso tempo.

“As pessoas sentem que em algum lugar está havendo uma festa para a qual elas não foram convidadas e têm de correr atrás”, diz Boralli. Sigmund Freud, o criador da psicanálise, dizia que a ansiedade era o sintoma de algo que não estava bem resolvido interiormente. Ele diferenciava entre a ansiedade produzida por uma situação externa real e aquela imaginada ou brutalmente amplificada por nossos medos interiores. A primeira não deveria ser medicada, mas ela tornou-se tão presente, tão avassaladora, que é isso que tem sido feito, em larga escala.

segunda-feira, 17 de junho de 2013


Esquizofrênico registra em livro a experiência de enlouquecer

CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO

Ex-aluno de física e de filosofia da USP, Jorge Cândido de Assis carrega no corpo das marcas da esquizofrenia. Aos 21, durante uma crise, ele se jogou contra um trem do metrô e perdeu uma perna.
Hoje, aos 49 anos, cinco crises psicóticas, ele dá aulas sobre estigma em um curso de psiquiatria e acaba de lançar um livro no qual descreve a experiência de enlouquecer."Entre a Razão e a Ilusão" (Artmed Editora) foi escrito em parceria com o psiquiatra Rodrigo Bressan e com a terapeuta Cecilia Cruz Villares, da Unifesp.
Leia o depoimento dele.
*
"Tive uma infância tranquila, jogando bola na rua. Aos 14 anos, entrei na escola técnica e já sabia trabalhar com eletricidade. Adorava física.
Em 1982, prestei vestibular para física na USP e não passei. Em 1983, fiz cursinho, prestei de novo e não passei.
Consegui uma bolsa no cursinho, passei perto e não entrei de novo. Foi um ano depressivo para mim. Eram os primeiros sinais da esquizofrenia, mas eu não sabia.
Eu me isolei, tinha delírios. O desfecho foi trágico. Numa manhã de domingo, entrei na estação do metrô Liberdade. Escutei uma voz: "Por que você não se mata?". Me joguei na frente do trem.
Acordei três dias depois no hospital sem a minha perna direita. Tinha 21 anos.
Foi bem sofrido, mas coloquei toda minha energia e determinação na reabilitação. Quatro meses depois, já estava com a prótese.
Sozinho, voltei a estudar para o vestibular e passei em física e fisioterapia na Universidade Federal de São Carlos. Meu sonho era desenvolver uma prótese melhor e mais barata do que as versões que existiam naquela época.
Danilo Verpa/Folhapress
Jorge Cândido de Assis, 49, no departamento de psiquiatria da Unifesp, em São Paulo
Jorge Cândido de Assis, 49, no departamento de psiquiatria da Unifesp, em São Paulo
Um dia, em 1987, cheguei em casa e ela havia sido arrombada. Tive que ir até a delegacia dar queixa e reconhecer os objetos furtados.
Isso desencadeou a segunda crise psicótica. Tinha delírios de grandeza, alucinação, mania de perseguição.
Fui internado em Itapira durante um mês. Saí de lá com diagnóstico de esquizofrenia, medicado mas sem encaminhamento. Um dos remédios causava enrijecimento da musculatura e eu não conseguia escrever. Então parei de tomar a medicação e comecei a fazer tratamento em centro espírita.
Voltei a estudar em São Carlos. Depois da crise, perdi muitos amigos por puro estigma. Comecei a trabalhar, paralelamente aos estudos, mas ficou pesado demais. Preferi desistir do curso.
Em 1993, prestei vestibular na USP e passei. Foi mágico, a realização de um sonho. Continuei trabalhando, mas cheguei num ponto de saturação e desisti do curso.
Minha vida foi perdendo o sentido, vivia por viver. Me sentia vazio de emoções.
Nesse período, fazia parte de um grupo de pesquisa na USP. Mas, por uma série de divergências, o grupo se desfez. Ao mesmo tempo, meu namoro acabou. Esses dois fatores desencadearam minha terceira crise.
Foi uma crise também com delírios, alucinações, isolamento. Fiquei um mês internado. Foi aí que comecei a me tratar de esquizofrenia de fato. Além das medicações, fazia psicoterapia, terapia ocupacional e prestei vestibular para filosofia na USP. Passei. Sentia-me tão bem que disse: "Superei a esquizofrenia. Vou parar com os remédios".
Minha mãe morreu em 2002 e, em seguida, tive a minha quarta crise, que também foi controlada com remédios. É como começar do zero.
Entre 2003 e 2007, participei de um grupo de pacientes com esquizofrenia em que discutíamos a doença, as vivências, as formas de comunicação. Em 2005, o [psiquiatra] Rodrigo Bressan me convidou para participar das aulas dele contando a minha experiência pessoal, sobre o estigma. Em 2007, surgiu o projeto do livro sobre direitos de pacientes com esquizofrenia.
Foi um processo de criação intenso durante 18 meses. Em 2008, o Rodrigo me convidou para deixar de ser paciente e entrar para a equipe dele. Foi uma grande oportunidade.
No início do ano passado, fui palestrar em Londres sobre o nosso trabalho. Quando estava voltando, fizemos uma escala em Madri.
Sentia muita dor na perna e pedi uma cadeira de rodas. Esperei e nada.
Tirei a perna mecânica, coloquei na bolsa e fui pulando até a sala de embarque. Todo esse estresse me levou à quinta crise. Ela foi rapidamente controlada, mas é um processo difícil retomar a rotina anterior, ressignificar as coisas para que a vida faça sentido.
Depois das crises, tenho que renascer das cinzas. Muitas pessoas desistem. Precisa de uma grande dose de esforço para reconstruir a vida.
A medicação ajuda, mas não é garantia. Consigo lidar com as demandas da vida, mas nunca sei se o que sinto é ou não da doença.
Não ouço mais vozes, mas tenho autorreferência. Penso que tudo ao meu redor tem a ver comigo. Se ouço um barulhinho lá fora, acho que pode ter câmera escondida.
Se as pessoas estão conversando no corredor, acho que estão falando sobre mim.
O delírio é inquestionável, você acredita nele. Mas tenho clareza do que é autorreferência, deixo para lá.
Tenho que saber os meus limites. O referencial para a gente é o mundo exterior, a relação das pessoas.
Muitas vezes, o início das crises não é percebido. Por isso é importante dividir com o médico, com a família.
O estigma também é muito prejudicial. Ser apontado como o louco ou ser desacreditado só piora. A esquizofrenia é uma doença crônica, que afeta as emoções, os relacionamentos, as vontades.
Tenho sorte de ter uma família unida, que me apoia. Isso dá sentido à minha vida.
Olho para trás e confesso que me sinto frustrado por ter começado duas vezes física, em duas das melhores universidades, e não ter concluído.
Mas fico feliz com o trabalho de poder ajudar outras pessoas com a minha história. As pessoas sofrem no Brasil pela falta de locais para a troca de informações.
Minha meta agora é construir uma rede de associações de apoio a pacientes com esquizofrenia.
Eu não sou só a doença, e a doença não me define.
Tenho que lidar com a esquizofrenia, mas ela não é a parte mais fundamental da minha vida."

segunda-feira, 4 de março de 2013

"Os Iks, Kitty Genovese e o Engenho de Dentro" (Contardo Calligaris)


Na coluna da semana passada, comentei uma reportagem de Elvira Lobato sobre o que aconteceu recentemente numa rua do Engenho de Dentro, bairro de classe média da zona norte carioca.
Numa madrugada, os moradores encontraram um carro com dois cadáveres retalhados; uma das cabeças estava exposta em cima do capô. Provavelmente, tratava-se de uma desova "exemplar" do tráfico. Pois bem, foi uma algazarra de zombarias e fotografias (utilidade comprovada dos celulares com câmara digital).
Propus uma primeira reflexão, que resumo brevemente. Num mundo higienista, a subjetividade é definida pelo corpo, visto que, entre os sonhos que dão sentido à vida, prevalece o ideal do bem-estar físico. É ótimo para a saúde, mas a conseqüência é que a morte do outro não é mais um espetáculo propriamente angustiante; o cadáver nos mostra o que já acreditamos: no fundo, somos apenas alguns quilos de carne e ossos.
Não conseguirei responder a todos os leitores que me escreveram, mas, encorajado pelos comentários, proponho mais duas reflexões suscitadas pelo caso do Engenho de Dentro.
Como entender, além da indiferença, o escárnio dos corpos massacrados?
1) Um antropólogo inglês, Colin Turnbull, viveu três anos (de 1964 a 1967) entre os Iks (leia: iiiks), um povo de caçadores-coletores nas montanhas de Uganda. Em princípio, os caçadores-coletores estão sempre em movimento: os homens caçam e as mulheres colhem produtos espontâneos da natureza (raízes, sementes etc.).
Os Iks eram uma sociedade tradicional com costumes de cooperação tanto na caça como na colheita, mas, a partir dos anos 50, as nações africanas começaram a cuidar de suas fronteiras, criaram parques nacionais etc. Conclusão: os Iks foram aprisionados num território limitado e inóspito.
Em "The Mountain People" (o povo da montanha), de 1972, Turnbull narra a catástrofe cultural dos Iks, assolados por fome e miséria. Foram-se solidariedade e cooperação. Os homens pararam de levar suas presas para as mulheres e as crianças se alimentarem: eles comiam sozinhos, na hora. O mesmo valia para as mulheres em sua colheita. A sociedade se desfazia no "cada um por si". Sobreviver era a tarefa imperativa de cada indivíduo, e o infortúnio do outro passou a ser, justamente, divertido: "Melhor ele do que eu".
2) Em 13 de março de 1964, Kitty Genovese, aos 29 anos, foi assassinada numa rua tranqüila de classe média, no bairro de Queens, em Nova York. Voltando do trabalho, de madrugada, ela foi esfaqueada 17 vezes por um estuprador. Seu martírio durou meia hora; repetidamente, o agressor foi embora e voltou para completar sua "obra". Por que essas interrupções? Os gritos de Kitty acordaram os vizinhos, alguns abriram a janela para apostrofar o assassino: "Deixe aquela moça em paz". Mas, entre as 38 testemunhas desse horror, ninguém desceu na rua e ninguém chamou a polícia.
A morte de Kitty teve várias conseqüências. Para começar, foi instituído um número único e simples (911, em Nova York) para contatar a polícia em caso de urgência e mudou o atendimento: nada de "Quem está falando? Seu RG? Seu CPF?", mas, ao contrário, "Senhora, fique calma, estamos a caminho, só me diga exatamente onde você está".
Os psicólogos sociais americanos se dedicaram a entender o acontecido. Poucos meses depois da morte de Kitty, reuniu-se um simpósio sobre a inércia do espectador urbano. Seis anos e muita pesquisa mais tarde, em 1970, Latané e Darley publicaram "The Unresponsive Bystander: Why Doesn't He Help?" (o espectador inerte: por que não ajuda?), que ainda é uma obra de referência.
Latané e Darley constataram alguns funcionamentos instrutivos: a "abdicação da responsabilidade" ("Isso não é comigo, é com as autoridades, com a polícia") e a "difusão da responsabilidade" ("Não preciso chamar a polícia, pois um outro certamente já se encarregou disso"). Esse segundo funcionamento cria um paradoxo curioso: quanto mais numerosos forem os espectadores, tanto menos cada um deles se sentirá compelido a intervir. Da próxima vez que você for esfaqueado, escolha um lugar com uma ou duas testemunhas no máximo.
Poucas semanas depois da morte de Kitty, Stanley Milgram, outro genial psicólogo social, publicou seu comentário na revista "The Nation". No fim do texto, ele observava que talvez a inércia dos espectadores fosse um efeito da divisão urbana. Nos anos 60, para os nova-iorquinos de classe média que foram acordados pelos gritos de Kitty, a rua e a madrugada eram uma outra cidade, se não um outro país. Uma vez fechada a porta de sua casa e até à manhã seguinte, eles consideravam (e constatavam) que o espaço urbano pertencia a um povo que não tinha nada a ver com eles, um povo de drogados, bêbados, miseráveis e criminosos. Quem circulava naquele espaço não fazia parte de sua comunidade.
É o que podem ter pensado os moradores do Engenho de Dentro: "São cadáveres do tráfico, destinados a intimidar drogados que não pagam suas dívidas. Nada a ver com a gente. Podemos festejar, pois são mortos de uma outra tribo, uma tribo inimiga".

domingo, 28 de novembro de 2010

Autobiografia em 5 atos

1. Ando pela rua
há um buraco profundo no passeio
eu caio lá dentro
estou perdido - sem esperança
não foi culpa minha
após uma eternidade consigo sair.

2. Ando na mesma rua
há um buraco profundo no passeio
eu finjo que não vi
eu caio de novo lá dentro
não acredito que estou lá novamente
mas não foi culpa minha
após muito tempo consigo sair.

3. Ando na mesma rua
há um buraco profundo no passeio
eu vejo o buraco
eu caio de novo lá dentro - virou hábito
meus olhos estão abertos
eu sei onde estou
foi culpa minha
saio imediatamente.

4. Ando na mesma rua
há um buraco profundo no passeio
eu contorno o buraco.

5. Ando em outra rua.

[PORTIA NELSON]

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Ano Novo! Novas Idéias!

"Uma série de princípios comprovados para guiá-lo no Novo Ano"

Por Roger Ellerton Phd, ISP, CMC, Renewal Technologies Inc.

Quantos de nós já não estabelecemos resoluções para o Novo Ano ou metas para a nossa vida que são todas rapidamente esquecidas ou colocadas de lado até o próximo ano? A seguinte série de princípios irá ajudá-lo a realizar suas resoluções de Ano Novo e muito mais. Leia tudo cuidadosamente. Conteste-os, já que na primeira leitura você pode não entender ou concordar integralmente com alguns princípios. Agora ou no dia primeiro de janeiro, selecione um deles e o coloque em ação por uma semana. Observe como as coisas melhoram na sua vida e como você fica mais próximo de realizar seus desejos. No final de cada semana foque num novo princípio até que todos os sete se tornem um modo de vida para você.

1. Não existe fracasso, apenas feedback.

Você já não fez algo que não saiu como você havia planejado? Quantas vezes você interpretou isso como fracasso e, possivelmente, se puniu, ou culpou os outros? Muitos de nós foram treinados para julgar seus resultados como sucesso ou como fracasso. Como a sua vida mudaria se você visse o fracasso apenas como um feedback – uma oportunidade para aprender como não fazer algo e se tornar flexível para desenvolver novas maneiras de alcançar o seu resultado planejado? Da próxima vez em que algo não se desenvolveu como planejado, aceite isso como um feedback, fique curioso e faça perguntas como: "O que eu preciso aprender sobre mim, os outros, meu trabalho ou o ambiente familiar, de modo que, se uma situação semelhante ocorrer no futuro, eu possa conseguir um resultado melhor?"

"Eu não fracassei. Eu apenas descobri 10.000 maneiras que não dão certo." Thomas Alva Edison, cientista e inventor.

Como seria diferente o seu local de trabalho se o fracasso fosse visto como feedback? Você e os outros ficariam mais dispostos a explorar novas maneiras de realizar o seu trabalho com mais eficiência, mais eficácia e mais prazer?

2. Você não pode não se comunicar.

Muitas vezes nós achamos que nos comunicamos somente quando falamos ou escrevemos. Isso não é assim. Considere as seguintes situações: 1. Você está numa reunião do grupo de trabalho sentado meio de lado, com os braços cruzados e uma cara de irritado, e não participa da discussão de maneira nenhuma. 2. Você escolheu não responder ao telefone e nem às mensagens do e-mail naquela hora e nem depois. Mesmo sem nenhuma comunicação você está enviando uma mensagem que, freqüentemente, não é positiva. Quem realmente você está prejudicando?

Você está sempre se comunicando, seja através do seu tom de voz, ações, expressões faciais, gestos e linguagem corporal. Pare um pouco para pensar e veja o impacto que as suas ações estão tendo no sistema como um todo. É essa realmente a impressão que você quer criar ou a mensagem que quer transmitir?

3. Seja flexível – se o que você está fazendo não está criando os resultados que deseja, faça alguma coisa diferente.

Você já não se sentiu marcando passo na vida, fazendo a mesma coisa repetidas vezes e sempre esperando conseguir um resultado diferente? Esse é o amplamente conhecido conceito de insanidade. Se você quer que a sua vida seja diferente, fazer a mesma coisa com mais freqüência, com mais esforço ou chamando mais a atenção, não é a maneira de mudá-la. Você precisa escolher alguma coisa diferente. Se você tentar uma chave na fechadura e ela não servir, você vai continuar tentando a mesma chave repetidamente? Ou você vai ser flexível e tentar outra, até achar uma chave que funcione?

É o mesmo na sua vida. Seja flexível, explore diferentes comportamentos e estratégias para descobrir o que você realmente quer na vida ou quem você está destinado a ser. Se você é pai, considere o seguinte: não existem crianças resistentes, apenas adultos inflexíveis.

4. O significado da comunicação é a resposta que ela produz.

A intenção da sua comunicação nem sempre é o que é entendido pela outra pessoa. E o que é mais importante: a sua intenção ou o que é entendido? Não importa qual é a sua intenção, o que importa é o resultado que você produz com as suas palavras, tom de voz, expressões faciais e linguagem corporal. Ao aproveitar a resposta da outra pessoa como um feedback e mostrar-se flexível, você pode mudar a maneira como se comunica até alcançar o resultado desejado.

Considere a seguinte situação: eu percebi que uma colaboradora estava vestindo um vestido novo e resolvi fazer um elogio (minha real intenção). Eu disse para ela: "Meu Deus, você está linda nesse vestido." Porém, a reação dela não foi a que eu esperava. Ela pareceu aborrecida e saiu da sala. Eu não sei o que estava acontecendo na cabeça dela, mas obviamente ela ouviu minha mensagem de uma maneira muito diferente da que eu pretendia. Talvez por causa das experiências e das crenças dela, ela interpretou o que eu disse como "se eu estivesse atraído por ela" ou sendo insinuante. Da próxima vez que eu a vir, posso continuar com o mesmo comportamento, ou simplesmente ignorá-la e abrigar todos os gêneros de pensamentos ruins sobre ela. Ou posso reconhecer que o meu comentário não produziu o resultado que eu pretendia e achar uma maneira diferente para me comunicar com ela para que possamos ter uma relação de trabalho produtiva.

5. Todo comportamento tem uma intenção positiva.

Não importa quão estranho, prejudicial ou inapropriado possa parecer para você o comportamento de uma pessoa, isso faz sentido na perspectiva da pessoa engajada nesse comportamento – as crenças e valores dela – e está baseado em satisfazer uma intenção positiva para ela.

O segredo é reconhecer que existe uma intenção positiva por trás do comportamento da outra pessoa – para ela, e talvez não para você. Isso não significa que você precise enxergar o comportamento da outra pessoa como positivo ou aceitável. Pelo contrário, você pode achá-lo bastante desagradável. Você precisa examinar o que está por trás do comportamento para descobrir a intenção positiva ou, se não estiver aparente, procurar uma intenção que faça sentido na sua realidade. Essa intenção pode ser para ela mesma, para você ou para alguma outra pessoa. Assim que você entender a intenção dela, você pode explorar maneiras alternativas para ajudar a pessoa a realizar a sua intenção.

Por exemplo, digamos que você está tendo uma discussão com alguém e que, de repente, ele levanta a voz, joga no chão tudo que estava em cima da mesa e sai da sala. Na sua perspectiva, isso certamente não pode ser visto como um comportamento positivo. O que poderia ser possivelmente a intenção positiva por trás desse tipo de comportamento? Agora olhe para isso pela perspectiva desta outra pessoa. Dado o background dela - as experiências, crenças e valores dela – talvez ela tenha se sentido insegura ou oprimida pela conversa com você. Dados os recursos que ela tinha à disposição naquele momento, essa pode ter sido a única opção que ela achou que tinha a fim de criar algum espaço ou para escapar para um local mais seguro.

O que você pode fazer para evitar um resultado igual na próxima vez? Você pode aceitar o que aconteceu como um feedback, respeitar a perspectiva dela, explorar as possíveis intenções positivas por trás do comportamento dela e procurar outras maneiras de atingir os seus resultados, ao mesmo tempo em que satisfaz a intenção positiva dela. Em outras palavras, ser flexível.

É útil avaliar cuidadosamente os nossos próprios comportamentos numa base regular. Perceba os resultados que você está conseguindo, identifique a intenção positiva por trás desses comportamentos e pergunte: "Existe uma maneira melhor de alcançar a minha intenção positiva que minimize os efeitos colaterais negativos?"

6. Cada um faz o melhor que pode com os recursos que tem a disposição.

As pessoas já têm os recursos que elas precisam para serem bem sucedidas. Entretanto, a perspectiva delas do mundo (crenças, valores e restrições limitantes) ou um estado da mente temporário (oprimido, triste ou zangado) pode impedi-las de enxergar o que é realmente possível ou impedi-las de acessar plenamente as suas capacidades e recursos. Nessas situações, a pessoa pode tomar decisões ou empreender ações que, sobre outro ponto de vista, sejam muito inferiores em relação à capacidade delas e que até podem ser vistas como danosas.

Observando o que ocorreu, esta pessoa poderia ter feito muitas coisas de modo diferente, mas, na hora, isso foi julgado como a melhor escolha. Nós nem sempre tomamos a decisão "certa" ou tomamos a ação "correta"; simplesmente, decisões e ações são tomadas com base nos recursos que nós temos a nossa disposição naquela hora.

7. Você está no controle da sua mente e, portanto, dos seus resultados.

Foi você quem escolheu as crenças, valores e decisões que determinam a sua perspectiva do mundo e como você vivencia os diferentes eventos. Também é você quem pode mudar isso para ganhar uma perspectiva diferente e assim colher os benefícios dos resultados que são potencialmente muito diferentes, trazendo mudanças significativas a sua vida.

Conclusão

Você pode simplesmente ler os princípios acima ou pode começar a colocá-los em ação e fazer deles um modo de vida. Ao fazer isso, você terá a oportunidade de mudar a sua realidade, seus resultados e a sua vida!
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Roger Ellerton PhD, CMC é um consultor certificado de administração e fundador e sócio gerente da Renewal Technologies. O artigo acima é baseado no seu livro Live Your Dreams Let Reality Catch Up: NLP and Common Sense for Coaches, Managers and You.