sábado, 1 de dezembro de 2007

MODELO DE MUNDO: LENTES PARA A "REALIDADE"

“Aquele que quer mudar o mundo deve começar mudando a si mesmo”. Todos nós já ouvimos essa frase em algum momento de nossas vidas, mas poucos param para refletir sobre as possibilidades que ela descortina.
Não são raras as vezes em que notícias sobre guerras e violência no mundo chegam ao nosso conhecimento. De maneira geral, avaliamos que tais conflitos concretizem-se em função de choques de interesse. Porque queremos, pensamos, valorizamos coisas diversas ou divergentes é que brigamos, certo?
Quem nunca lançou perguntas como: “o que motiva um indivíduo a cobrir o próprio corpo de bombas e se explodir em meio a uma multidão?” Da mesma forma, se mudarmos o foco de nossas observações é possível constatar que também são freqüentes as vezes em que julgamos comportamentos e crenças de familiares, amigos, conhecidos, ou seja, das pessoas que fazem parte do nosso universo particular. Sobre isso costumamos usar a máxima “ninguém é igual à ninguém”, vejamos então porque isso parece ser verdade.
Herdamos de nossa cultura a concepção maniqueísta segundo a qual tendemos a enquadrar tudo o que a percepção alcança em padrões de certo e errado, bom ou mal. Desse modo, gostaríamos de convidar o leitor a pensar o mundo – interior e exterior – através de uma nova perspectiva: a perspectiva das possibilidades, que está presente na idéia de modelo de mundo.
Esta idéia propõe que cada pessoa, através de suas particularidades orgânicas (neurológicas) somadas às vivências sociais (família, cultura) e às suas características individuais constrói uma maneira de “interpretar” a realidade. Conforme nos diz Blander e Grinder (1978)¹ “há uma irredutível diferença entre o mundo e nossa experiência do mesmo”, é como se cada um ao longo de sua vida, fosse moldando uma lente, um óculos através do qual enxerga o mundo, e que permite à cada um de nós, atribuir significados e valores particulares às experiências vividas.
Pensando nisso, é possível dizer que a realidade é relativa, assim como “as verdades e certezas” - que temos sobre os outros e mais ainda sobre nós mesmos –, e tantos outros conceitos de nossa cultura também o são. Importa-nos, então, avaliar a qualidade do serviço que essas lentes têm nos prestado, através da satisfação, ou não, que sentimos diante da vida.
___________________________________________________
1. BLANDER, R. & GRINDER, J. A Estrutura da Magia. R.J.: Zahar, 1978.

Autores: Renata Cipriano de Oliveira e Rodrigo Gomes Santana

domingo, 25 de novembro de 2007

Abuso Sexual Infantil: Equívocos e Desencontros a Serem superados

A criança desde muito cedo é vulnerável a diferentes tipos de agressão, desde física, abandono, negligência, até a agressão sexual. Dentre os agressores principais estão os parentes e entre eles os próprios pais. A violência doméstica contra a criança e o adolescente pode ser definida como o dano físico, sexual e/ou psicológico perpetrado contra estas vítimas por parte dos pais, parentes ou responsáveis. Isto gera uma violação do direito da criança em ser protegida pelo adulto e consiste numa espécie de “coisificação” da infância, processo em que se perde a noção do menor como um sujeito, uma pessoa em fase especial de desenvolvimento. A violência sexual contra uma criança ou adolescente, por sua vez, é tida como o ato sexual entre estes e adultos, os quais o fazem para estimular sexualmente esta criança ou adolescente ou para obter uma estimulação sexual .(Guerra, 1998).
Os casos de abuso sexual na infância e adolescência são praticados, na sua maioria, por pessoas ligadas diretamente às vítimas e sobre as quais exercem alguma forma de poder, o que pode vir a configurar o incesto.
Os índices reais de ocorrências do abuso sexual são provavelmente mais elevados do que se estima. A maioria dos casos nunca é revelada devido a sentimentos de culpa, vergonha, ignorância e tolerância da vítima. Apesar de os números variarem muito, provavelmente por fatores como diferenças de concepção do que vem a ser o abuso, os estudos apontam para taxas alarmantes. Os mais altos chegam a revelar que 27% das mulheres e 16% dos homens sofreram experiência de abuso sexual na infância (Amazarray e Koller, 1998).
Ao contrário do que se tende a pensar, o abuso sexual nem sempre é acompanhado de violência física aparente, o que pode dificultar ainda mais possibilidade de denúncia e a confirmação diagnóstica. Os traumas do abuso não ocorrem, muitas vezes, imediatamente ligados ao evento. Especialmente em casos que não envolvem dor física, o trauma pode ser instalado posteriormente à situação de violência, quando a vítima pode refletir e compreender melhor o que viveu.
O alcance das conseqüências depende do grau da vitimização e de culpa que a criança vem a sentir, bem como as estratégias de enfrentamento de que dispõe. Em geral as meninas tendem a apresentar reações depressivas e ansiosas e os meninos, fracasso escolar e dificuldades de socialização, por exemplo, condutas violentas (Bonner, 1999).
Efeitos psicológicos do abuso sexual podem ser devastadores, e as conseqüências decorrentes persistem na vida adulta. O despreparo daqueles que lidam com o problema é também um potencial gerador de danos psicológicos secundários à criança. Depoimentos mal colhidos, exames, entrevistas e outros procedimentos podem levar a uma revitimização.
A escola seria um bom lugar para a detecção e intervenção em casos de abuso sexual infantil. Contudo, a maioria das educadoras possui informações insuficientes acerca do tema e adotam procedimentos inadequados diante dos casos de crianças que sofreram abusos sexuais. Há um despreparo dos profissionais da área de saúde, educadores, juristas e das instituições escolares, hospitalares e jurídicas, em manejar e tratar adequadamente essas vítimas. Além deste despreparo individual, falta comunicação entre estas instituições para articular as medidas de proteção necessárias e acompanhar seu cumprimento.
Esta desinformação e despreparo generalizados, somado aos mitos e discursos que alimentam e perpetuam estereótipos sobre o abuso podem contribuir para o agravamento do impacto dos fatos e para a acentuação das dinâmicas traumáticas que a eles estão associadas.
Sobreviventes deste tipo de violência freqüentemente repetem o ciclo de vitimização, perpetrando o abuso sexual intergeracional com seus próprios filhos. Desta forma, combater este tipo de violência traz impactos que vão além de evitar futuras ações do mesmo abusador ou evitar futuras vitimizações do mesmo menor.
Autora: Carolina Moreira Marquez é integrante do Grupo Mosaico e é dicente da Universidade Federal de Uberlândia. O texto é parte de seu anteprojeto de mestrado.
Referências Bibliográficas

BONNER, B. L., Walker, C. E., & Berliner, L. (1999). Children with sexual behavior problems: Assessment and treatment (Final Report, Grant No. 90-CA-1469). Washington, DC: Administration of Children, Youth, and Families, Department of Health and Human Services. Retrieved from http://www.calib.com/nccanch/pubs/otherpubs/childassessment/index.cfm

GUERRA, V.N.A. (1998). Violência de pais contra filhos: a tragédia revisitada. 3.ª ed. São Paulo: Cortez.

HABIGZANG, L. F., Azevedo, G. A., Koller, S. H., Machado, P. X. (2006). Fatores de risco e de proteção na rede de atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Psicologia: Reflexão e Crítica.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

O setting sob outra perspectiva

Herrmann (2003) afirma que desde a origem da Psicanálise em Freud, essa é chamada a diferentes lugares, não se restringindo à clínica. Resgata que em Freud a Psicanálise assume uma abrangência significativa na cultura, literatura e nas artes em geral. O autor critica o movimento de restringir o método psicanalítico às clinicas e a determinados setting ritualísticos. Ao trazer o conceito de Clínica Extensa, Herrmann não propõe uma nova terminologia, mas amplia a noção de interpretação para outros contextos além do consultório; dessa forma, o método psicanalítico – a interpretação – ultrapassa a técnica.
O mesmo autor (1977) discorreu a respeito do papel secundário do setting terapêutico e afirmou: "Na clínica psicanalítica, como em tudo na vida, existe o importante e o pouco importante. (...) Na clínica, o importante é a interpretação. O pouco importante é o que se costuma chamar setting, mas prefiro dizer “moldura” (...). Moldura é tudo o que cerca o processo analítico, desde a formação de uma clientela até a montagem do consultório, os horários e rituais, telefone, secretária, divã, poltrona, dar ou não dar a mão na entrada, conversar ou não sobre cinema, sobre dinheiro, sobre o que o paciente deve fazer amanhã. É tudo, menos o que conta, pode-se dizer". (p.33)
Torrecillas e Romera (2006) salientam que todo paciente pode estar em condições de analisibilidade, desde que suas condutas, sentimentos, conflitos e angústias sejam ouvidos, compreendidos e interpretados por ele, junto ao terapeuta, e isso acontece quando o enquadramento, as condições de análise e o vínculo criados pela dupla paciente-terapeuta permitem que o ambiente, fora do setting convencional, seja um aliado do processo terapêutico. Nesse sentido, a resistência à terapia deixa de ser um obstáculo e torna-se material interpretativo, assim como qualquer gesto, sentimento ou fala do paciente o são. E não há como negar que um ambiente muito revelador da psique do paciente é o seu próprio ambiente, que por si só revela e permite que aquele revele sua subjetividade e seus conflitos.
Dessa forma, encontramos um papel secundário do setting, sendo que nos é apontado como de real e crucial importância a interpretação dos fenômenos e da subjetividade do paciente e de suas relações familiares durante o processo terapêutico. Defendemos que a Psicologia se preocupe menos com técnicas e se atenha ao que lhe é prontamente apresentado de fundamental, o método interpretativo, acreditando que o enquadramento se dá pela formação de vínculos e não pela definição rígida de um setting terapêutico.

Autoras: Carolina Moreira Marquez (Integrante do Grupo Mosaico), Nayara Cristina De Faria Cunha, Regiane Sbroion De Carvalho, Universidade Federal de Uberlândia.

Referências:
HERRMANN, F. A Clínica Extensa. In: III Encontro Psicanalítico da Teoria dos Campos (anais). São Pulo: CETEC, 2003. p. 12-22.
HERRMANN, F. Clínica Psicanalítica: A Arte da Interpretação. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1977.
TORRECILLAS, F. G. & ROMERA, M. L. C. A Clínica que nos habita e a que habita em nós: reverso e prosa. Jornal de Psicanálise. São Paulo: SBPSP, vol. 39, n. 71, dez. 2006.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

A construção histórica e social do sentido de morte e velhice

A partir de um percurso histórico, percebe-se que existe uma mudança de concepção a respeito da morte e da velhice. Os grupos sociais constroem idéias e práticas específicas, bem como rituais correspondentes à vivência da velhice e da morte, como um dos aspectos do processo de socialização.
Em épocas antigas morrer era uma questão de caráter público, as pessoas não ficavam sozinhas em seu adoecimento, o contato físico com o moribundo e o morto era maior. Em comparação com o presente, a morte na antiguidade era para jovens e velhos, menos oculta, mais presente e mais familiar.
Na Idade Média a morte era anunciada por signos naturais, por uma convicção íntima de que se ia morrer. E mais do que isso, neste período, algumas pessoas acreditavam que morrer era viver, e eram tão convictos na ressurreição, que chegavam a desejar a morte e a pedi-la a Deus. Carregados desta expectativa, a morte era aceita pela maior parte das pessoas desta época como algo simples, os seus ritos eram aceitos e cumpridos de modo cerimonial, mas sem caráter dramático ou gestos de emoção excessivos.
Uma das grandes mudanças na forma de lidar com a morte foi no fim do século XVIII com uma posição de benevolência em relação a ela. A expressão de dor dos sobreviventes evidencia uma intolerância nova com a separação. Não somente diante do morto e as lembranças que este deixou é que se fica perturbado. A simples idéia de morte comove.
Na segunda metade do século XIX a medicina por sua vez também teve um peso muito grande na mudança de concepção de morte. A morte foi substituída por doença. O progresso dos tratamentos médicos e das cirurgias fez com que o homem soubesse cada vez menos se uma doença é mortal ou não, pois as chances de recuperação aumentaram consideravelmente, assim como a expectativa de vida, assim, em nosso mundo se age como se a medicina tivesse resposta para tudo. A vida tornou-se previsível, exigindo maior grau de antecipação e autocontrole.
A partir do começo do século XX, as pessoas passam a afastar de si a questão da morte, demonstrando uma ausência de familiaridade com esta. Em tempo algum da história as pessoas morreram tão silenciosamente. Morre-se hoje higienicamente, sem odores, em hospitais cujas rotinas compõem uma estruturação social para o evento de morrer, mas feita de uma forma extremamente impessoal. Diante de todos estes fatos apresentados abre-se a pergunta que não temos a pretensão de responder, mas que serve como um ponto de reflexão: Será que parte da patologia social de hoje não teria sua origem na expulsão da morte da vida cotidiana com a interdição e do direito de chorar os nossos mortos?
Hoje, a contribuição da religião e das crenças de cunho religioso, como recurso utilizado pelas pessoas para lidar com a morte ainda é notável. A esfera religiosa ainda tem papel fundamental para dar sentido à vida das pessoas. Pesquisas revelam que a religião parece promover um estilo de vida mais saudável, além de esperança e um senso de transcendência.
A busca por permanecer jovem é objetivo constante de grande parte das pessoas, especialmente as mais jovens. Este fato chama a atenção para a tendência da contemporaneidade de prolongar a juventude, característica do que Bauman (2000) denomina “modernidade líquida”. A ênfase no tempo presente, sem que a perspectiva de longo prazo tenha sentido, é refletida nos aspectos da vida humana, portanto, também em relação ao envelhecimento e à morte. As constantes mudanças, de maneira fluida, trazem a incapacidade de manter a forma: tudo é temporário. O autor diz que tudo está desencaixado e tende a permanecer em fluxo, volátil, flexível. Desta forma, a falta de segurança – que atinge situações e faixas etárias diferentes – revelada nas condições atuais de vida – incide também sobre a velhice e a morte, gerando perspectivas incertas de futuro; de velhice, de morte, de pós-morte. Esta é a principal fonte da “difusa ansiedade em relação ao presente, ao dia de amanhã e ao futuro mais distante” (Bauman, 2000). Na realidade, o agora passa a ser a única realidade temporal na “era da instantaneidade”, mas a vida presente sem orientação no futuro pode perder parte de seu sentido.

Autoras: Carolina Moreira Marquez (Integrante do Grupo Mosaico), Luciana Soares de Barros e Viviane Silva Barreto, Universidade Federal de Uberlândia.

Referências Bibliográficas

ÀRIES, P. História da morte no Ocidente: da Idade Média aos nossos dias. Tradução: Priscila Vianna de Siqueira. Rio de Janeiro: F. Alves, 1977.
_________. O homem diante da morte. Tradução: Luiza Ribeiro. Rio de Janeiro: F. Alves, 1981.
BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
BRAAM et al. Religion as a cross-cultural determinant of depression in elderly Europeans: results from the EURODEP collaboration. Psychological Medicine, 31, 803-814, 2001.
ELIAS, N. A solidão dos moribundos seguido de envelhecer e morrer. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2001.
MCDAVID, J. E HARARI, H. Psicologia e comportamento social. Rio de Janeiro: Ed. Interciência, 1974.
REYES-ORTIS C.A. Inportancia de la religión en los ancianos. Colômbia Médica, 29(4), 155-157, 1998.

sábado, 3 de novembro de 2007

Carregando...


"Às vezes não conhecemos nossa própria força.
Pode ser difícil de dizer quanto peso você consegue levantar ou quanto pode quebrar você.
Gostaria de pensar que você pode carregar algo tão grande quanto acreditar que pode.
É isso, as vezes é uma questão de vontade.
Certamente um pensamento confortante"