terça-feira, 20 de novembro de 2007

A construção histórica e social do sentido de morte e velhice

A partir de um percurso histórico, percebe-se que existe uma mudança de concepção a respeito da morte e da velhice. Os grupos sociais constroem idéias e práticas específicas, bem como rituais correspondentes à vivência da velhice e da morte, como um dos aspectos do processo de socialização.
Em épocas antigas morrer era uma questão de caráter público, as pessoas não ficavam sozinhas em seu adoecimento, o contato físico com o moribundo e o morto era maior. Em comparação com o presente, a morte na antiguidade era para jovens e velhos, menos oculta, mais presente e mais familiar.
Na Idade Média a morte era anunciada por signos naturais, por uma convicção íntima de que se ia morrer. E mais do que isso, neste período, algumas pessoas acreditavam que morrer era viver, e eram tão convictos na ressurreição, que chegavam a desejar a morte e a pedi-la a Deus. Carregados desta expectativa, a morte era aceita pela maior parte das pessoas desta época como algo simples, os seus ritos eram aceitos e cumpridos de modo cerimonial, mas sem caráter dramático ou gestos de emoção excessivos.
Uma das grandes mudanças na forma de lidar com a morte foi no fim do século XVIII com uma posição de benevolência em relação a ela. A expressão de dor dos sobreviventes evidencia uma intolerância nova com a separação. Não somente diante do morto e as lembranças que este deixou é que se fica perturbado. A simples idéia de morte comove.
Na segunda metade do século XIX a medicina por sua vez também teve um peso muito grande na mudança de concepção de morte. A morte foi substituída por doença. O progresso dos tratamentos médicos e das cirurgias fez com que o homem soubesse cada vez menos se uma doença é mortal ou não, pois as chances de recuperação aumentaram consideravelmente, assim como a expectativa de vida, assim, em nosso mundo se age como se a medicina tivesse resposta para tudo. A vida tornou-se previsível, exigindo maior grau de antecipação e autocontrole.
A partir do começo do século XX, as pessoas passam a afastar de si a questão da morte, demonstrando uma ausência de familiaridade com esta. Em tempo algum da história as pessoas morreram tão silenciosamente. Morre-se hoje higienicamente, sem odores, em hospitais cujas rotinas compõem uma estruturação social para o evento de morrer, mas feita de uma forma extremamente impessoal. Diante de todos estes fatos apresentados abre-se a pergunta que não temos a pretensão de responder, mas que serve como um ponto de reflexão: Será que parte da patologia social de hoje não teria sua origem na expulsão da morte da vida cotidiana com a interdição e do direito de chorar os nossos mortos?
Hoje, a contribuição da religião e das crenças de cunho religioso, como recurso utilizado pelas pessoas para lidar com a morte ainda é notável. A esfera religiosa ainda tem papel fundamental para dar sentido à vida das pessoas. Pesquisas revelam que a religião parece promover um estilo de vida mais saudável, além de esperança e um senso de transcendência.
A busca por permanecer jovem é objetivo constante de grande parte das pessoas, especialmente as mais jovens. Este fato chama a atenção para a tendência da contemporaneidade de prolongar a juventude, característica do que Bauman (2000) denomina “modernidade líquida”. A ênfase no tempo presente, sem que a perspectiva de longo prazo tenha sentido, é refletida nos aspectos da vida humana, portanto, também em relação ao envelhecimento e à morte. As constantes mudanças, de maneira fluida, trazem a incapacidade de manter a forma: tudo é temporário. O autor diz que tudo está desencaixado e tende a permanecer em fluxo, volátil, flexível. Desta forma, a falta de segurança – que atinge situações e faixas etárias diferentes – revelada nas condições atuais de vida – incide também sobre a velhice e a morte, gerando perspectivas incertas de futuro; de velhice, de morte, de pós-morte. Esta é a principal fonte da “difusa ansiedade em relação ao presente, ao dia de amanhã e ao futuro mais distante” (Bauman, 2000). Na realidade, o agora passa a ser a única realidade temporal na “era da instantaneidade”, mas a vida presente sem orientação no futuro pode perder parte de seu sentido.

Autoras: Carolina Moreira Marquez (Integrante do Grupo Mosaico), Luciana Soares de Barros e Viviane Silva Barreto, Universidade Federal de Uberlândia.

Referências Bibliográficas

ÀRIES, P. História da morte no Ocidente: da Idade Média aos nossos dias. Tradução: Priscila Vianna de Siqueira. Rio de Janeiro: F. Alves, 1977.
_________. O homem diante da morte. Tradução: Luiza Ribeiro. Rio de Janeiro: F. Alves, 1981.
BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
BRAAM et al. Religion as a cross-cultural determinant of depression in elderly Europeans: results from the EURODEP collaboration. Psychological Medicine, 31, 803-814, 2001.
ELIAS, N. A solidão dos moribundos seguido de envelhecer e morrer. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2001.
MCDAVID, J. E HARARI, H. Psicologia e comportamento social. Rio de Janeiro: Ed. Interciência, 1974.
REYES-ORTIS C.A. Inportancia de la religión en los ancianos. Colômbia Médica, 29(4), 155-157, 1998.

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